João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores de
todos os tempos, produtor de uma obra de alcance universal, nasceu na
cidadezinha de Cordisburgo, em Minas Gerais, filhos de D. Francisca
Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, de quem herdou a paixão pelas
estórias. Joãozito, como era chamado quando menino, teve uma infância
privilegiada. Ele conviveu desde cedo com personagens encantados criados pela
mente paterna e com outra herança fundamental, a familiaridade com a linguagem,
tanto a de sua terra natal, quanto a de países do mundo todo.
Assim, tornou-se logo um
poliglota, dominando o português, o alemão, o francês, o inglês,
o espanhol, o italiano, o esperanto, alguma coisa do russo. Na leitura, ele
também estendia seus conhecimentos ao sueco, ao holandês, ao latim e ao grego.
Sem falar na curiosidade por outras línguas. Formado em Medicina, passou a
freqüentar o universo literário a partir de 1929, quando escreveu alguns contos
que foram imediatamente premiados e publicados, embora o autor não reconheça o
valor destas histórias - Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke,
significando Tempo e Destino, O mistério de Highmore Hall e Makiné.
A presença da morte sempre
acompanhou Rosa, de uma forma ou de outra. Em 1932, ingressa como voluntário na
Revolução Constitucionalista de 1932. Sobre essa experiência, ele mesmo diz:
‘’Fui médico, rebelde, soldado ... Como médico, conheci o valor místico do
sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da
proximidade da morte ...’’. Rosa traduz poética, mas cruamente a realidade de
que é testemunha: ‘’Canhões cospem cometas com cauda carmesim. Caem coisas
cilindro-cônicas, calibrosas, compactas, com carga centrífuga, conteúdo capaz converter casas cascalho,
corpos compota, crânios canjica.’’ Posteriormente, decepcionado com a carreira
de médico, torna-se funcionário do Itamarati.
Nos anos 30, ganha novo prêmio
literário com um livro de poemas, Magma. Nesta mesma década ele concorre em
outro concurso de lliteratura, desta vez com uma coletânea de
contos, que uma vez revisado é publicado, em 1946, sob o título de Sagarana, que já apresenta um tom regionalista inovador.
Anos depois, como
cônsul-adjunto, é ‘’surpreendido pela eclosão da Segunda Guerra Mundial em Hamburgo,
na Alemanha’’. Fica detido com outros colegas em Baden-Baden, ‘’até ser trocado
por funcionários do governo alemão.’’ Lá’, presenciou cenas terríveis, que
poeticamente e com certo humor reportou, por meio de uma ‘’carta-telegrama’’, a
seu ‘’amigo Jorge K. Cabral. Em 1956, Rosa retorna ao cenário literário com a
obra Corpo de Baile, na qual aprofunda as experiências iniciadas no livro
anterior. Ele atinge o ápice de suas inovações universalistas no clássico
Grande Sertão: Veredas, alguns anos depois. Esta publicação marca
definitivamente a história da literatura brasileira, e é traduzida para os mais
diversos idiomas.
Em 1961, Guimarães Rosa recebe o
prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua
obra, oferecido pela Academia Brasileira de Letras. Um ano depois ele
lança outro volume de contos, Primeiras Estórias,marcado
profundamente pelos problemas de saúde que já afligem seu organismo,
principalmente o coração. Logo depois, em 1967, publica sua última obra,
Tutaméia, a mais complexa de suas criações, que provoca novo frenesi no seio da
crítica literária.
É eleito, em 1963, para a
Academia Brasileira de Letras, mas um pressentimento o impede de tomar posse –
‘’a premonição de que a esta se seguiria sua morte.’’ Ironicamente ou não, ao
se tornar um imortal, quatro anos depois, foi realmente acolhido pela morte,
tornando-se, como tantos outros personagens seus, um ‘’encantado.’’
Rosa é atingido, em novembro de
1967, por um ataque fulminante do coração, talvez pela presença de tanto amor,
de tantas estórias, que não mais cabiam em seu peito. Mas, como previu com
relação a seus heróis – ‘’videntes, adivinhos, ... guiados pela paixão ou pelo
devaneio’’ -, nos quais ‘’costumava dizer que, por catarse e reflexão,
desdobrava-se’’, ele também se perpetuou na morte, por meio de sua obra e dos
personagens do sertão, ele mesmo um provável protagonista de suas estórias, por
elas igualmente imortalizado.
Após sua morte, mais dois
volumes são publicados – Estas Estórias, nova seleção de contos, e Ave,
Palavra, obra eclética, tecida pelos mais diversos textos, da poesia à prosa
poética.
Desvelar os códigos rosianos
presentes em sua obra exige uma atenção especial à linguagem, ao tecer da
narrativa. Afinal, ela tem o poder sagrado de ordenar o caos, de dar forma ao
informe, de gerar vida, plena de significados, e é potencialmente capaz de
extrair elementos do cotidiano e impregná-los de poesia, devolvendo-lhes a
analogia paradisíaca entre os nomes e as coisas, magia de que só os poetas, os
loucos e as crianças são capazes.
O narrador rosiano caminha como
se estivesse perdido no labirinto de suas lembranças,
encontrando as saídas após um árduo e doloroso esforço. O narrador de Rosa
lança um olhar para o passado, tentando resgatar e compreender o que foi
vivido, mas não permanece nessa esfera. Por mais fascinantes e poderosas que
sejam as imagens que desfilam na tela de sua mente, e a vontade de transformar
esse passado, ele segue adiante, impulsionado pelos ventos do futuro, pelas
expectativas que lhe restam de, com esse conhecimento adquirido, mudar o seu
presente.
Essa possível harmonização entre
passado, presente e futuro, entre tradição e modernidade, é uma das principais
metas que conduzem ao mergulho do narrador no labirinto de suas lembranças na
obra de Rosa.
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